Insolvência: Arrendamento vs Hipoteca

O Contrato de arrendamento para habitação sobre um imóvel previamente hipotecado caduca com a venda em processo de insolvência?

A problemática não é pacifica, mas predomina o entendimento que o regime legal expresso no n.º 2 do artigo 824.º CPC é aplicável à situação do arrendamento posterior ao registo da hipoteca constituída sobre o imóvel arrendado.

Entendimento pacificamente sustentado pela doutrina e instâncias superiores que têm alinhado maioritariamente com essa posição, seguida unanimemente pela Relação do Porto e Supremo Tribunal de Justiça – entre outros: Relação do Porto , acórdãos de 24.01.20148 (Des. Judite Pires), 13.12.2001 e de 22.01.2004 (Des. Pires Condesso), 20.12.2004 (Des. Marques Pereira), 06.02.2007 (Des. Emídio Costa), 27.10.2016 (Des. Pedro Lima), 14.02.2017 (Des. Ana Lucinda Cabral).

E também pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, acórdãos de 18.10.2018, (Cons. Rosa Tching, de 29.10.98 (Cons. Nuno Nascimento), 03.12.98 (Cons. Ferreira de Almeida), 21.03.2003 (Cons. Afonso de Melo), 31.10.2006 (Cons. Urbano Dias), 15.11.2007 (Cons. Pereira da Silva), 05.02.2009 (Cons. João Bernardo), 05.02.2009 (Cons. Oliveira Rocha), 27.05.2010 (Cons. Álvaro Rodrigues), 22.10.2015 (Cons. Pires da Rosa).

Sobre o tema, e fazendo uma resenha da jurisprudência sobre a matéria – incluindo a decisão do STJ de 15.02.2018, pode ler-se o recente Acórdão proferido  Relação de Évora em 30.05.2019, proc. 701/16.1T8PTG-C.E1, disponível em dgsi:  “…Efectuada a venda judicial de um imóvel em processo executivo e verificando-se que existe uma hipoteca registada com data anterior ao arrendamento de tal imóvel, o dito arrendamento caduca com a referida venda, por força do estipulado no artigo 824.º, n.º 2, do C.P.C., cujo escopo é o de que os bens vendidos judicialmente devem ser transmitidos livres de quaisquer ónus ou encargos…”

No caso que acompanhamos, estando perante um direito de arrendamento que foi celebrado após registo de hipotecas e sucessivas penhoras sobre  a fracção em causa e que não foi registado nem participado às finanças, este não pode prevalecer sobre a hipoteca no momento da venda/liquidação no processo de insolvência.

Neste sentido, o direito de arrendamento/contrato, caduca  com a venda em processo de insolvência- o bem é alienado sem ónus ou encargos pois estamos perante um processo com a natureza de execução universal no qual (ressalvadas as regras especiais do processo de insolvência, aplica-se o regime da venda executiva à venda realizada em liquidação num processo de insolvência – artigo 17.º do CIRE).

Entendemos que o nº 2 do art.º 824º do CCiv. ao prever a expressão ‘outros direitos reais’ abrange as situações de arrendamento que se traduz num mero direito pessoal de gozo e não num direito real  – estamos perante um direito de natureza meramente obrigacional. Não se aplicando o art.º 1057º do CCiv uma vez que existe norma especifica no art.º do artº 824º, nº 2, do CCiv.

Todavia, se for celebrado antes do registo da hipoteca, ao contrato/direito de arrendamento assiste oponibilidade aos terceiros adquirentes do direito com base no qual foi constituído o arrendamento – com características próprias de um direito obrigacional.

Com a particularidade que o arrendamento, mesmo sendo anterior à hipoteca, nunca impede a venda do bem nem existe fundamento para suspender a liquidação, uma vez que não se pretende separar bens da massa nem existe qualquer controvérsia sobre a propriedade da fracção.

Pois, não obstante estarmos perante um contrato válido ou não, o processo de liquidação deve prosseguir para venda pois o direito de arrendamento não permite separar o bem da massa insolvente e muito menos restituir o mesmo. A liquidação prossegue para venda do bem (arrendado ou não) – Com a ressalva necessária que a venda será anunciada com o arrendamento.

Mas nunca separar ou restituir o bem pois a existência de um arrendamento não obsta à venda nem existe qualquer bem/direito para separar da massa.

Alguma jurisprudência recente tem entendido que o art. 824.º, n.º 2 do CC, “…não se aplica, nem directa nem analogicamente, ao arrendamento, não caducando, assim, o contrato celebrado depois do registo da hipoteca, havendo-se antes como transmitida a posição do locador para o terceiro adquirente do prédio alienado em venda judicial pois no actual contexto (…) o arrendamento de um imóvel não constitui, sem mais, um factor de desvalorização do mesmo, nem constitui um obstáculo à satisfação integral do crédito garantido…”

Tese que não perfilhamos pois o arrendamento constitui, na maioria dos casos, um verdeiro obstáculo à satisfação do crédito, desvalorizando o imóvel e o seu valor de mercado.

Em especial nas circunstâncias e condições que os contratos de arrendamento surgem nos processo de insolvência e executivos em geral….

Luís M. Martins – Advogado

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