Qual a Finalidade do Processo de Insolvência?

Contrariamente ao que é amplamente divulgado na internet, de todas as formas possíveis, requerer um processo de insolvência não é uma decisão fácil e, a sua finalidade e interesses envolvidos, afastam um quadro de simplicidade.

O art.º 1.º do código de insolvência e recuperação de empresas estabelece que “…o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores…”

Este binómio recuperação vs liquidação foi introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que veio aligeirar o cariz executivo do processo, alterando o artigo primeiro na sua finalidade, passando a liquidação a ter cariz subsidiário no processo de insolvência.

O desígnio do processo passou assim a ser satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência enxertando-se na lei os arts. 17.º-A e seguintes relativos ao Processo Especial de Revitalização- PER e, subsidiariamente e caso a recuperação não seja possível, na liquidação do património do devedor.

A escolha pelo PER tem sido um caminho viável para as empresas…o que não significa que seja o caminho para a recuperação ou que se alcance esse objectivo (embora no terceiro trimestre de 2020, mais de 55,3% dos processos de revitalização terminam por acordo).

Através do PER, evita-se a recuperação mediante a apresentação de um plano de insolvência, que pressupõe uma prévia declaração de insolvência e sempre se consegue indicar o Administrador Judicial.

A sua natureza concursal e coletiva espelha-se na apreensão do património do devedor que fica à disposição da generalidade dos credores num único processo de insolvência com respeito pelo princípio da igualdade (execução universal), contrapondo-se à acção executiva singular, na qual se procura a liquidação de bens concretos desse património com vista a satisfazer um crédito específico).

Processo de Insolvência

Quem decide a recuperação ou liquidação são os credores uma vez que os seus créditos terão sempre que ser satisfeitos – seja através de um plano de insolvência ou da liquidação do património.

Satisfação dos créditos que se esgota no texto da lei pois, no segundo trimestre de 2020, a taxa de recuperação de créditos nos processos de insolvência era de 10,0% (proporção do montante de créditos pagos face ao montante de créditos reconhecidos). Ou seja, 90% dos créditos reclamados e reconhecidos não foram pagos.

Ademais, a recuperação é sempre difícil uma vez que, na generalidade dos processos, o poder de decisão fica nas mãos das Instituições Financeiras e credores Públicos (finanças e Segurança Social).

Na prática, e não obstante as anunciadas formas de recuperação do tecido empresarial, as estatísticas revelam números pouco animadores sendo poucas as empresas que efectivamente conseguem recuperar a sua actividade acabando por cair, após o PER, na inevitável insolvência.

O código continua assim a ser um instrumento de liquidação e de tramitação executiva onde pouco espaço é deixado ao devedor e à recuperação.

Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, “… a finalidade do processo de insolvência não se resume à apreensão dos bens do património do insolvente para posterior liquidação e pagamento dos credores (…) relevam também, entre outros fins, o saneamento do mercado, expurgando-se as empresas ou pessoas singulares económica ou financeiramente inviáveis, e a produção de vários efeitos decorrentes da declaração de insolvência como o vencimento imediato de todas as obrigações do insolvente…”.

A legislação citada pertence ao código de insolvência e recuperação de empresas.

Estatística da  Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) do Ministério da Justiça.

Luis M. Martins – Advogado