Empresas Em Dificuldades – Como Recuperar? Quais as Soluções?

O grande empregador da nossa economia não são as “grandes empresas”, mas sim as micro, pequenas e médias empresas que empregam milhões de pessoas – muitas delas de estrutura familiar.

Se alguns sectores da economia estão a lucrar com o COVID 19 e com o bloqueio sanitário à actividade comercial, falamos da área da saúde, farmacêuticas, retalho, distribuição e transportes, a verdade é que, somadas as contas e  no geral, perde-se mais do que aquilo que se ganha. Até Setembro de 2020 as insolvências cresceram 12% atingindo os valores mais elevados em três anos, sendo as áreas mais penalizadas a hotelaria, serviços e restauração.

Sabemos que nem todos os problemas podem ser imputados ao COVID 19 pois, a nossa economia, já padecia de graves e evidentes sintomas de que algo não estava bem– sobretudo os decorrentes do difícil acesso ao crédito imposto pelo sector financeiro após a crise imobiliária que tivemos em 2010, e que estava a atrofiar a tesouraria das empresas (cortando a banca as contas caucionadas que eram o grande apoio à tesouraria e recusando empréstimos sem garantias adicionais).

Actualmente, o futuro não é risonho para as empresas nem para as pessoas singulares pois o desemprego está a aumentar exponencialmente – mais de 80% dos concelhos do país apresentam relevantes aumentos dos números de desemprego levando as famílias a recorrer a planos de pagamentos e insolvência pessoal.

Temendo o desastre, que se vinha acentuando mesmo sem o COVID 19, foram implementados mecanismos como o lay-off simplificado, as moratórias e a facilidade na contratação de crédito para manter a tesouraria corrente (algum com garantia pública).

Mas a dúvida paira no ar:  E quando terminarem as moratórias? Teremos uma avalanche de encerramentos de empresas e consequente aumento do desemprego?

A equação é simples e o seu resultado afecta empresas e pessoas singulares: Vai chegar um momento em que quem recorreu às moratórias vai ter que pagar os empréstimos. Quando esse momento chegar, e se não existir negócio/facturação para gerar liquidez e/ou rendimentos das famílias para pagar – devido a desemprego e outros factores, teremos então um grande problema.

Se vai existir poder de compra e liquidez para manter e aumentar o consumo (pois tudo gira à volta da liquidez e do consumo), é a grande pergunta que se coloca – E o futuro vai depender desta variante.

Neste momento, sem actividade e sem facturação, o sector empresarial vive momentos difíceis de ultrapassar.

Neste cenário, é preciso capacidade de decisão célere para evitar a morte da empresa pois, a estatística diz-nos que, grande parte dos empresários acaba por deixar a empresa em coma com todas as consequências que isso tem – um erro que pode ser fatal na sua continuidade.

Para evitar a morte súbita ou a eutanásia da empresa, o legislador como bom costureiro,  tem alterado progressivamente o código da insolvência e legislação avulsa costurando e remendando a roupa consoante o “aperto” dos ciclos económicos.  

Assim, quando fez um “fato” para a “troika” também “arranjou um fato para o “COVID 19” que denominou de PEVE.

As empresas e empresários dispõem de quatro recursos extrajudiciais e judiciais para encetar a sua recuperação. A saber:

REGIME EXTRAJUDICIAL DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (RERE) 

Processo Especial de Revitalização PER

É um processo de adesão voluntária ao qual podem concorrer empresas e pessoas singulares titulares de empresas que estejam em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente.

Este procedimento permite encetar negociações com os credores, procurando um acordo de reestruturação empresarial que permita a manutenção da empresa em actividade – Acordo que é negociado livremente pelas partes e sem intervenção judicial.

Como requisito formal, o procedimento carece da vontade do devedor e de credores que representem, pelo menos, 15% do passivo do devedor não subordinado (no PER o requerimento tem que ser subscrito pelo devedor e credores titulares de, pelo menos, 10% de créditos não subordinados.

Recorrendo ao RERE, deve o devedor: fornecer informação atualizada, verdadeira e completa sobre a sua situação económica e financeira; indicar os credores com os quais pretende encetar negociações sendo também a adesão às negociações e assinatura do acordo por parte dos credores voluntária; o acordo de reestruturação tem que ser depositado na conservatória do registo comercial mas a sua publicação, se o devedor entender, pode não se realizar.

Como se depreende, o acordo de restruturação só vincula os credores que subscrevam o acordo sendo que, todos os demais que não participem, não são abrangidos pelo acordo nem suspendem as execuções em que estes sejam autores.

A suspensão de diligências de pagamento coercivas e pedidos de insolvência apenas se efectiva com o depósito do acordo na Conservatória e apenas naqueles em que sejam partes os credores e créditos abrangidos pelo acordo.

Quanto ao prazo para concluir as negociações, e diferentemente do PER, o RERE prevê três meses que podem ser prorrogados enquanto que, no PER, os três meses são imperativos.

❷ PROCESSO EXTRAORDINÁRIO DE VIABILIZAÇÃO DE EMPRESAS – PEVE

Anunciado como a vacina para as Empresas que, devido à COVID 19, se encontrem em situação económica difícil ou de insolvência (iminente ou actual), tem um regime legal muito semelhante ao do Processo Especial de Revitalização (PER), na sua versão simplificada, de homologação.

Já tínhamos o “Processo Especial de Revitalização (“PER”), o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (“RERE”) e temos agora o Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (“PEVE”).

Processo Especial de Revitalização PER

Reforçaram-se as soluções para recuperar as empresas com dificuldades em tempos de COVID 19. Todavia, as medidas adoptadas continuam aquém do esperado pois, o destino das PMEs, continua nas mãos dos grandes credores (Banca e Estado).

As empresas, que à data da apresentação do requerimento não tenham pendente processo especial de revitalização ou processo especial para acordo de pagamento, passam a ter a possibilidade de alcançar um acordo extrajudicial com os seus credores que, uma vez obtido, é sujeito a homologação pelo Tribunal a quem cabe aferir do preenchimento dos pressupostos legais,

O procedimento tem como requisitos de admissibilidade:

a) Fazer constar que o requerente reúne as condições necessárias para a sua viabilização;

b) A escrituração legal obrigatória (art.º 3º n.º 3 do CIRE) deve reflectir que, em 31 de dezembro de 2019, existia um activo superior ao passivo;

c) Uma declaração escrita e assinada pelo órgão de administração da empresa, onde se ateste que a situação em que se encontra é derivada da pandemia (doença COVID-19) e que reúne as condições necessárias para a sua viabilização;

d) Um acordo de viabilização assinado pela empresa e por credores que representem, pelo menos, a maioria dos votos previstos no n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE;

e) Uma relação de todos os credores assinada pelo contabilista certificado ou revisor oficial de contas.

Se o procedimento for aceite, o juiz nomeia um Administrador Judicial Provisório por sorteio, devendo atender à indicação do devedor apenas nos casos em que a viabilização da empresa carece de especiais conhecimentos.

Proferida decisão, e entre outros efeitos do PEVE, destaca-se:

a) Proibição de instauração de qualquer ação para cobrança de dívidas;

b) Suspensão das ações em curso para cobrança de dívidas, extinguindo-se estas logo que seja homologado o acordo;

c) Impossibilidade de praticar actos patrimoniais de especial relevo sem autorização do administrador judicial provisório (art.º 161.º do CIRE);

d) Suspensão dos processos de insolvência pendentes (desde que não tenha sido proferida sentença de insolvência);

e) Suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pela empresa;

f) Impossibilidade de suspensão da prestação dos serviços públicos essenciais: Serviço de fornecimento de água / Serviço de fornecimento de energia eléctrica / Serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados / Serviço de comunicações electrónicas / Serviços postais / Serviço de recolha e tratamento de águas residuais / Serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos.

A lei prevê uma flexibilização dos acordos prestacionais relativos a créditos do Estado, nomeadamente: redução de taxas de juro nos seguintes termos: a) 25 % em planos prestacionais de 73 até 150 prestações mensais; b) 50 % em planos prestacionais de 37 e até 72 prestações mensais; c) 75 % em planos prestacionais até 36 prestações mensais; d) Totalidade de juros de mora vencidos, desde que a dívida se mostre paga nos 30 dias seguintes à homologação do acordo.

O Acordo precisa de uma maioria substancial de credores votantes para merecer acolhimento judicial. Na generalidade dos processos temos:

– A banca: Que não assina nem se vincula a acordos com PMEs… salvo se isso lhe for conveniente e em condições que nem vale a pena relatar;
– AT e Segurança Social: Que também não assinam coisa nenhuma e muito menos no prazo de 30 dias….

Analisado este procedimento especial de recuperação, verificamos que não passou pela cabeça do “legislador alfaiate”, numa altura tão complicada para as empresas, o simples perdão total de juros, coimas e afins e o aligeiramento de coimas e multas pelo atraso no cumprimento das obrigações fiscais.

Em resumo, um caminho duro e penoso para as empresas que, para serem elegíveis no PEVE terão que reunir os seguintes requisitos: não terem pendente processo especial de revitalização; serem empresas viáveis – seja isso o que for; dispor das contas do final de 2019 e dotadas de um activo superior ao passivo e conseguir um acordo prévio com mais de 50% dos credores…

Para a generalidade das PMEs o PEVE nada terá de especial…

❸ PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO DE EMPRESAS – PER

Aplicável apenas às pessoas colectivas que se encontrem em risco de insolvência ou em situação económica difícil, é uma ferramenta que antecede a insolvência e que perspectiva evitar os efeitos do processo falimentar e venda e liquidação de todo o património – enquanto garantia dos credores.

O procedimento não se aplica às empresas que estejam em situação de insolvência – entendendo-se que estas já não possuem condições para serem recuperadas. Requisito que na prática não é fiscalizado pelos tribunais pois a grande generalidade das empresas que se apresenta ao PER, está numa situação de insolvência.

O Processo Especial de Revitalização suspende o direito a requerer a insolvência do devedor ou já requerida e as  ações de executivas e declarativas contra o devedor de cariz patrimonial.

Processo Especial de Revitalização PER

A situação que proporciona um PER são as dificuldades de tesouraria, pelos mais diversos motivos,  para fazer face aos compromissos correntes. Ou seja, a empresa tem “negócio”, mas atravessa um período de ausência de liquidez para fazer face aos compromissos assumidos.

O procedimento é iniciado via requerimento dirigido ao tribunal subscrito pelo devedor e por credores titulares de, pelo menos, 10% de créditos não subordinados. Após apreciação judicial, o juiz, nomeia um administrador judicial que vai acompanhar todo o processo – cabendo ao Administrador judicial autorizar a pratica de actos de especial relevo.

Como nos demais meios de recuperação, uma vez elaborado o plano de recuperação e restruturação da dívida (tendo por base a dilatação dos prazos de pagamento ou mesmo no perdão de parte da dívida, permitindo ao devedor manter-se em actividade), este é submetido aos credores para votação. Credores que, em regra, e com poder de voto, são sempre os mesmos: Segurança Social, Fisco, e a Banca.

O período de negociações, até à aprovação ou rejeição do plano tem a duração de dois meses prorrogável por mais um por solicitação do devedor e do Administrador judicial.

A aprovação do Processo Especial de Revitalização pode concretizar-se mediante dois critérios/maiorias alternativas bastante diferentes e que, na prática, fazem toda a diferença: a) Maioria de mais de metade dos votos correspondentes à totalidade dos créditos relacionados (devendo  mais de metade dos votos emitidos corresponder a créditos não subordinados desconsiderando as abstenções). b) Maioria de votos que correspondam a  1/3 de todos os créditos relacionados com direito a voto, devendo os votos favoráveis corresponder a uma maioria qualificada de 2/3 dos votos expressos (não se considerando as abstenções nem os votos contra).

O PER pretende ser um meio que as empresas com condições de viabilidade e negócio têm ao seu alcance para evitar efeitos económicos negativos e liquidação do seu património, mantendo os trabalhadores, clientes e fornecedores.

Mas atenção…!

O PER tem como destinatários as empresas em situação económica difícil e de insolvência iminente, criando um instrumento alternativo à insolvência que se anuncia mais ágil e mais eficaz para a sua proteção e recuperação.

Se terminar sem aprovação dos credores, temos dois cenários:

– Se a Insolvência se mantiver “iminente”, e após parecer do Administrador judicial, extingue-se o PER sem efeitos para o devedor/requerente do procedimento.

– Se o parecer do Administrador Judicial for no sentido de existir uma situação de “insolvência actual”, esta é decretada pelo tribunal.

RERE VS PER

  • Proibição da prática de Actos de especial relevo:

RERE – Pode ser autorizado no protocolo de negociação ou por todos os credores.

PER –  Mediante autorização do Administrador Judicial Provisório.

  • Requisitos para iniciar o processo

RERE – Declaração do devedor com detalhe do seu passivo.

PER –  Declaração do devedor e do ROC / contabilista certificado atestando que   a empresa não se encontra em situação de insolvência atual.

  • Vinculação do plano aprovado

RERE – Apenas vincula os credores que sejam parte no Acordo de Reestruturação.

PER – Vincula todos os credores, mesmo aqueles que não o aprovaram;

  • Suspensão de processos executivos e insolvência

RERE – As acções só se suspendem se os credores demandantes tiverem subscrito o acordo.

PER – Suspensão de todos os processos de insolvência cuja sentença não tenha sido proferida bem como ações para cobrança de dívidas.

  • Regras do plano de recuperação

RERE – O plano de recuperação é fixado livremente pelas partes intervenientes.

PER – O Plano de Recuperação deve respeitar as mesmas regras aplicáveis ao Plano de Insolvência.

  • Privilégios dos credores que apoiam financeiramente o plano

RERE – Não é atribuído qualquer privilégio aos credores que financiem no plano.

PER – Os credores que financiem a atividade do devedor no plano gozam de de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores.

  • Benefícios fiscais

Para ambos os procedimentos os benefícios fiscais estão sujeitos aos artigos 268.º a 270.º do C.I.R.E., com especificações diferentes para o RERE que precede de uma autorização da autoridade tributária.

❹ PLANO DE INSOLVÊNCIA

A alternativa pode ser avançar com um processo de insolvência em tribunal. O processo de insolvência permite aos empresários abrir a porta a um processo de recuperação – contrariamente ao PER, neste procedimento declara-se primeiro a insolvência por sentença e, posteriormente, apresenta-se o plano de recuperação para ser votado pelos credores.

Processo Especial de Revitalização PER

A maioria para aprovar o Plano de Insolvência é mais rigorosa que no Processo Especial de Revitalização, exigindo a lei que “ estejam  presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.

O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução e conter todos os elementos relevantes para a sua aprovação (pelos credores) e homologação (pelo juiz).

 No entanto, o conteúdo do plano não é circunscrito de forma taxativa na lei. Nem poderia sê-lo pois, cada processo, cada empresa, é uma situação económica diferenciada. Todavia, não se pode esquecer o seu fim: a prossecução dos interesses dos credores. Por conseguinte, o plano deve ser elaborado com solidez para sustentar as medidas a que se propõe – que afectam a massa – e para que não seja recusada a sua homologação pelo juiz.

 Entre os vários elementos considerados relevantes, e enunciados no art. 195.º n.º 2, será necessário indicar através de que meio será obtida a satisfação dos credores: plano de liquidação da massa insolvente; plano de recuperação do titular da empresa; ou plano de transmissão da empresa a outra entidade.

 Contudo, e embora não venha enunciado no art. 195.º n.º 2 al. b), existe ainda um outro meio para a obtenção da satisfação do credor, o plano misto. Este plano, consagrado no art. 162.º, consiste na transmissão de certas partes da empresa, quando se reconheça vantagem na liquidação ou alienação separada da mesma.

 Quando a finalidade é a recuperação, a elaboração do plano deve ser feita em moldes rigorosos e sustentáveis, assumindo complexidade pela necessária análise e perspectiva económica.

Se a empresa está mal é porque algo não correu bem.

Identificar e compreender a natureza, causa e fase do ciclo negativo, é meio caminho andado para conseguir reestruturar, recuperar ou reorganizar o negócio.

Escolher qual o procedimento que melhor se adapta à empresa, dentro da panóplia das várias soluções legais, é o passo seguinte.

A Legislação citada pertence ao Código de Insolvência e Recuperação de Empresas e Lei n.º 75/2020 de 27 Novembro.

Luís M. Martins – Advogado