Anulação De Negócios Na Insolvência…

O devedor pode dispor do seu património em proveito pessoal ou de terceiro pelos mais variados motivos. Actos que, nos termos da lei, não se deparam com nenhum obstáculo à sua concretização sendo desprovidos de prévia fiscalização

Todavia, se esses expedientes agravarem a situação dos credores e o objectivo for a dissipação ou ocultação do património, podem ser objecto de posterior sanção e fiscalização – sobretudo se o devedor se encontrar numa situação de insolvência actual ou iminente.

A possibilidade de “resolver” negócios não tem nada de novo no nosso ordenamento jurídico identificando-se com outras formas de resolução previstas nos artigos 432º e seguintes do Código Civil que almejam a destruição dos negócios visando a reconstituição do património do devedor.

Como escreve Pedro Romano Martinez, in Da Cessação do Contrato, Almedina, 2ª edição, 2006, pág. 67 a resolução é “um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou depende de convenção das partes.”- Pedro Romano Martinez, in Da Cessação do Contrato, Almedina, 2ª edição, 2006, pág. 67.

No processo de Insolvência, esse procedimento denomina-se “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, e está previsto nos arts. 120.º e ss do Código da Insolvência, enquanto instrumento que permite resolver determinado negócio jurídico em benefício de todos os credores – voltando este à situação em que se encontrava.

Em conformidade, se o acto praticado ou omitido for prejudicial à massa insolvente (lesivo para os interesses da massa insolvente e dos credores), pode sempre ser resolvido pelo Administrador Judicial através de carta registada ou por meio de acção judicial a efectuar-se nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência (art.º 123.º n.º1 do CIRE).

A Resolução tem sempre como pressuposto a prática ou omissão do acto dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 1, do CIRE contando que os actos praticados diminuíram, frustraram, dificultaram, puseram em perigo ou retardaram a satisfação dos credores da insolvência.

A Resolução pode assumir uma natureza condicional (carece de prova quanto a prejudicialidade e má fé do terceiro – presume-se a má fé se no acto interveio pessoa especialmente relacionada com o devedor (arts. 120.º n.º 4 e 49.º do CIRE), ou incondicional no sentido que não prova em contrário.

Resolução que os credores, querendo,  também podem tentar efectivar por via da acção de impugnação pauliana nos termos do art.º 616º, n.º 4, do C. Civil, sendo acções com o mesmo objectivo mas com prazos e efeitos diferentes (os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido).

Neste particular, atendendo ao disposto no art.º 127.º do CIRE, na eventualidade de se encontrarem pendentes acções de impugnação pauliana cujo objecto seja o acto resolvido pelo administrador de insolvência, estas ficarão suspensas, independentemente de terem sido propostas antes ou depois da declaração de insolvência.

Entre tantas outras possibilidades de negócios prejudiciais para a massa insolvente e para os credores, temos a situação frequente em que o devedor dá em dação em pagamento ao credor bens que constituem a totalidade do seu património ou a parte fundamental e necessária para a sua actividade.

Os tribunais superiores tem entendido e sancionado que,

“…É legítimo presumir o não pagamento do preço de cem mil euros estabelecido no contrato de compra e venda do único imóvel da ré/insolvente, se se alega o seu pagamento em numerário, mas sem que se junte ao processo qualquer documento contabilístico da ré compradora, ou um extracto bancário que indicie esse pagamento…” TRG de 06-11-2014.

“…Tendo uma sociedade, menos de seis meses antes de dar entrada em juízo do processo onde veio a ser declarada insolvente, procedido à escritura de venda de vários imóveis a favor de outra sociedade em que os respectivos sócios eram filhos de um dos três sócios da insolvente e sobrinhos dos dois restantes, preenche-se a presunção prevista no nº 4 do art. 120º do CIRE…” STJ de 25-03-2014.

“…A dação em pagamento de todo o património do devedor, em benefício de um único credor – representando uma liquidação antecipada e instantânea de todo esse património em favor deste –, não pode considerar-se usual no comércio jurídico, nem poderia ser exigida por esse credor…” STJ de 07-10-2014.

“…Constitui acto prejudicial para a massa insolvente a venda de um imóvel integrante do património do insolvente e em que, pelo menos, parte do respectivo preço – coincidente com o valor comercial, então, detido pelo imóvel – não é paga, antes sendo afectada ao pagamento ou garantia de pagamento de empréstimos concedidos ao insolvente pelo sócio-gerente da compradora, favorecendo, deste modo, tal credor em detrimento dos demais e impedindo o ingresso, no património do insolvente, da importância não paga….” STJ de 17-06-2014.

Luís M. Martins – Advogado