Violência Doméstica – Um Crime Sem Castigo

Durante anos, assistimos a fotografias e cartazes nas paragens dos autocarros e ecrãs de televisão com publicidade agressiva alertando para um problema que proliferava na sociedade.

As imagens, outrora marcadas por este tipo de crime, deram lugar a uma violência subtil, não visível, mas ainda mais perigosa pois os números da violência doméstica que todos os anos são dados a conhecer revelam extrema preocupação. Temos uma violência silenciosa que dá lugar à depressão e ao total isolamento.

A maioria dos casos que preenchem este tipo de crime não assumem a tipicidade relatada nos jornais e televisões sensacionalistas. São silenciosos e com agressores cada vez mais astutos que recorrer à chantagem – das 27.619 participações criminais por violência doméstica, a agressão psicológica esteve presente em 82,2% das situações, a física em 68,2%, a social em 15,3%, a económica em 8,0% e a sexual em 2,8%.

Em 2020 os procedimentos criminais relacionaram-se, na sua maioria com o sexo feminino (81,4%), casados ou em união de facto (42,3%), idade média de 42 anos e a vítima não dependia economicamente do/a denunciado/a (82,6%) – abrangendo também uma faixa de crianças e idosos.

Não se pense que o fenómeno atinge apenas as populações e comunidades mais desfavorecidas. A prática tem revelado o contrário, prevalecendo esta em famílias com estabilidade e, sobretudo, nos jovens através dos novos meios de comunicação.

Em algumas situações, o perigo pode ser afastado pela decretação de medidas cautelares que, entre outras situações não especificadas, podem abranger: Proibição de aproximação da vítima/habitação/local de trabalho; medidas de vigilância e controle à distância; proibição de uso e porte de arma, sujeição a programa de tratamento de alcoolismo, frequência de um programa de prevenção de violência doméstica, inibição do poder paternal e inibição de condução; proibição de comunicação ou mesmo prisão preventiva para as situações mais graves.

O problema deste tipo de crime é a prova da violência psicológica, emocional, económica e sexual que se queda, muitas das vezes, pelo depoimento da vítima – única testemunha dos factos. E, a falta de prova indiciária, obsta à decretação de uma medida cautelar – das 81032 participações de violência doméstica relativa aos anos de 2015 a 2020, cerca de 78,2% foram arquivados, 17,2% teve acusação e 4,7% a suspensão provisória do processo.

Um crime que leva as vítimas acreditar que apresentar queixa não vai dar em nada e apenas vai “aumentar a violência”. Não é fácil sair de um ciclo tão vicioso e pedir que lhe seja reconhecido o estatuto legal de vítima de violência doméstica (em 2020 foram atribuídos 24.092 estatutos de vítima, representando 87,4% das situações, sendo que 10,3% das vítimas prescindiram de beneficiar deste direito)

Crime que acaba por não ter castigo pois, 61,5% das decisões proferidas em 2020 tiveram penas de prisão aplicadas entre 2-3 anos mas as penas de prisão foram na sua esmagadora maioria suspensas, geralmente por igual período de tempo….Continua a ser leve a mão da justiça.

Apesar de leve, em Junho de 2020, quase 10% dos reclusos em Portugal tinham sido condenados por violência doméstica ao que acresce o facto de 847 pessoas estarem em liberdade, mas sujeitos a medidas de controle. A par, perto de duas mil pessoas frequentavam programas de reabilitação para agressores que tem revelado bons resultados na diminuição das crenças de legitimação da violência e aumento da autorresponsabilização pelo comportamento criminal.

O crime de violência doméstica tem a natureza de crime público podendo qualquer pessoa que o testemunhe denunciar os factos junto das entidades competentes para o Ministério Público promover o processo.

Nota: Os dados que constam no artigo constam do relatório anual para a monitorização do crime de violência doméstica 2020:

Luís M. Martins – Advogado