Histórias de Vida Reais…Num País Real

Ganhavam acima da média, tinham património e hábitos dispendiosos. A crise obrigou-os a abdicar de uma vida confortável. Têm vergonha do presente, medo do futuro e saudades do passado com dinheiro. Filipa Guimarães era grande repórter de televisão. Ficou sem palco. Aos 39 anos, voltou a viver da mesada dos pais. José Morgado Henriques é sócio de uma empresa que já foi ícone, mas teve de declarar insolvência. É no armazém da centenária Papelaria Fernandes que hoje tenta, euro a euro, sair de uma crise que não poupou as classes mais altas.

Carlos Figueiredo construía casas e vendia-as. Depois, deixou de as conseguir vender. Agora, deve cinco milhões de euros. Tirou os filhos do colégio privado e desfez-se da vivenda onde moravam há mais de 13 anos. José António Soares geria uma multinacional em Portugal. A crise levou-lhe o emprego e as poupanças, investidas no falido BPP. Filipa Guimarães era grande repórter de televisão. Ficou sem palco. Aos 39 anos, voltou a viver da mesada dos pais. José Morgado Henriques é sócio de uma empresa que já foi ícone, mas teve de declarar insolvência. É no armazém da centenária Papelaria Fernandes que hoje tenta, euro a euro, sair de uma crise que não poupou as classes mais altas.

São histórias de um país que enfrenta um período de grande fragilidade económica. Um país onde uns são mais afectados do que outros, mas todos temem. Temem palavras como “desemprego”, “cortes salariais”, “impostos”, “endividamento”, “austeridade”. Mais protegidas pelo património, mas também mais expostas pelos investimentos e dívidas elevados, as pessoas com rendimentos acima da média viram-se obrigadas a descer à terra e a abdicar de um modo de vida herdado ou conquistado. A recessão faz-se sentir nos seus bolsos, mas também deixa marcas profundas na vida familiar, nos sonhos e na forma como se olham, todos os dias, ao espelho.

Luís M. Martins é advogado e lida diariamente com casos de endividamento. “São pessoas que andam a alimentar dívidas durante anos. Agora está pior porque não conseguem ir buscar mais dinheiro aos bancos. Há pessoas que devem 30 milhões de euros”, explica. Na página que criou na Internet, publica artigos sobre o tema, dando conselhos a quem procura sair “de situações que muitas vezes nem sabe como criou”.

O advogado recebe-os no escritório e apresenta-lhes caminhos. A insolvência é uma prática comum no mundo das empresas, quando chegam a um ponto em que não conseguem pagar às instituições financeiras, aos fornecedores ou aos trabalhadores. Porém, ainda “há um grande desconhecimento por parte das pessoas singulares” quanto à possibilidade de se declararem insolventes. É a oportunidade de “não viverem à margem, a fugir às dívidas, a esconder o património”, afirma Luís M. Martins. Uma vez declarada a insolvência de uma pessoa singular, é definido um plano de pagamentos pelo tribunal, em função dos seus bens e rendimentos. “Paga-se durante cinco anos o que se puder pagar, e depois recomeça-se a vida”, acrescenta o advogado, que acredita que, regra geral, os endividados “não têm recaídas”. Aprendem “uma lição de vida” e dificilmente voltam a mergulhar numa situação idêntica. No final do processo, o juiz faz uma apreciação do seu comportamento e, se tiverem respeitado o plano de pagamentos, “as dívidas são perdoadas” e volta-se à casa de partida.

Artigo integral do Jornal Publico – “A vida deles era topo de gama agora cada euro conta”.

Leave Comments