O Administrador Judicial – O Maestro

O administrador de insolvência é o “Maestro” no instituto da insolvência. O seu papel de regente ou condutor é dar uniformidade a um grande contingente de credores para que todos sigam o tempo, a dinâmica e o andamento do processo, pois sem ele cada credor perderia a marcação do tempo em relação aos outros. Em síntese, ele é o chefe do grupo, aquele que dita as ordens, impondo na maioria das vezes a sua “interpretação” à obra musical.

Porém a figura do maestro ditador, prepotente e arrogante vem entrando em decadência a um bom tempo, e as grandes orquestras do mundo vem preferindo assim regentes que se coloquem no mesmo nível dos outros integrantes da orquestra, sabendo que eles estão ali juntos para fazer música e não impor ordens…” adaptação da definição de maestro in Wikipédia, a enciclopédia livre.

Um maestro que, em regra, está mais virado para a parte económico financeira do que para as questões técnico jurídicas – fundamentais para interpretar os normativos do código da insolvência e sua aplicação sem atropelos.

Se o processo, na sua génese, aponta para que esta figura seja um economista – e assim o é, este vê-se num processo jurídico altamente técnico, de leis complexas e obrigado a labutar numa praxe judicial que não conhece e é distinta dos rituais da sua formação base. Os estudos económicos sempre manifestaram uma aversão às leis…da mesma forma que os estudos jurídicos o fazem em relação às “contas” e à análise económico-financeira.

Em conformidade, existe um longo caminho na sensibilização e formação dos administradores da insolvência no que respeita aos conceitos que o processo de insolvência encerra, como seja o incidente de qualificação da culpa – factos e causas da sua efectivação – Não obstante as presunções legais existentes do art.º 186.º. Mais que saber e atender ao texto da lei, importa considerar outros requisitos e princípios do direito como seja, o nexo de causalidade e a fundamentação de facto.

É certo que, na sua generalidade, estes não reúnem conhecimentos para o efeito nem tal lhes pode ser exigido. E, embora alguns administradores de insolvência exercem cumulativamente a advocacia – o que parece ser vedado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (quer para os antigos gestores e liquidatários judiciais como para os actuais administradores de insolvência). Sobre esta matéria ver, entre outros o parecer do conselho geral da ordem dos advogados,  a sua generalidade não detêm esses conhecimentos.

O que é grave, pois o código pressupõe a prática de uma série de actos jurídicos no âmbito dos quais se pode assacar responsabilidade ao administrador de insolvência pela sua concretização. Quer seja a elaboração do simples contrato de arrendamento ou de trabalho, como o despedimento de um trabalhador….Mas cabia ao legislador ter pensado nisto e criado uma junta de credores (com um gestor um economista e um advogado) – pelo menos, nos processo em que a massa assim o justificasse.

A lei não criou expressamente uma junta de credores, mas deixou a porta aberta para que o administrador de insolvência se dote de profissionais competentes para o auxiliar na prática desses actos…um caminho que ainda carece de grande sensibilização.

Na prática, temos uma classe muito queixosa: Não recebem a horas, deslealdade entre colegas, nomeações contestadas, falta de acesso à plataforma electrónica de tramitação dos processos judicias, reduzida remuneração que auferem etc.

Mas a par de tanta reivindicação, e da mea culpa do Ministério da justiça, terá que ser repensada a formação destes profissionais, muitos dos quais sem sensibilidade para interpretar e aplicar um código tão complexo como o CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA – que, todos os dias, sofre os maiores atropelos na sua aplicação – tanto de administradores de insolvência, juízes e advogados.

Penso que daí advirá o prestígio e a unificação da classe pois sou de opinião que inexiste formação de cariz multidisciplinar nos processos  pelo menos, com os resultados esperados, pois a dignidade do cargo implica outro nível de conhecimento e estrutura.

Uma coisa sei, bons profissionais e a dedicarem-se a sério aos processos, tal como estes exigem, devem ser pagos em condições dignificantes. Nos outros países, e pela sua importância, valoriza-se os profissionais que trabalham nesta área. Em Portugal, como tantas outras coisas, desvaloriza-se. Pelo que, entendo que a predisposição para trabalhar de borla também seja pouca – sobretudo nos processos de alguma dimensão ou complexidade.

Falando com os administradores que tenho oportunidade de me cruzar na labuta diária apercebo-me que, a classe, individualmente, tem  auto-adquirido uma maior moralização. Mas não vejo essa consciência emergir de forma colectiva … nem de forma institucional e intrínseca.

E tal é necessário sob pena de, qualquer dia, pretenderem dirigir a banda e não terem músicos que os sigam.

Sobre este tema ver “O administrador de insolvência no CIRE” e “A destituição do administrador de insolvência: Justa causa”.

Luís M. Martins

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